Da Animação "populista" ao Sadismo de Rua
Nas minhas recordações de aprendiz de artista e educador fiz do Programa de Animação Cultural do Centro Integral de Educação Pública a minha Escola de formação/deformação que me foi ofertada através das oficinas, dos projetos culturais e das tantas outras experiências arte-educativas vivenciadas que fogem aos pressupostos de uma academia de arte clássica.
No início não tínhamos a menor noção do que estávamos nos transformando. O rito de passagem costumeiramente presente em bancos de emprego, refiro-me ao período de estágio, foi imediato ou talvez não tenha acontecido nos moldes normais. Em pouco tempo estava diante de uma comunidade desconhecida tendo que ser um espécime de agente sócio-comunitário, onde a pesquisa sócio-cultural da então comunidade ocupada pelo Ciep era de suma importância para a gestão estreante. Um imenso monumento encantava a uns e desencantava a outros.
O animador cultural tinha a missão de aproximar o gigante dos “quixotes” moradores, promovendo o resgate da herança brasileira e transformando os Cieps “em escolas atraentes, engajadas com o social e aptas a preparar o aluno para o desempenho de sua cidadania” (SEPÚLVEDA). Enfim, ser o elo de integração entre a comunidade e a escola como costumavam dizer os nossos ideólogos mentores. A idéia central era exercer bem a função política “populista” do governador Leonal Brizola que era o sustentáculo do imenso projeto chamado CIEP.
Naquele tempo víamos nossos trabalhos serem organizados por competentes profissionais da arte e da cultura da cidade do Rio de Janeiro. Aconteciam encontros com a coordenação geral que tinham o objetivo de fortalecer este ser “alienígena” da educação provocando-o a encontrar por si mesmo uma resposta para “o que ele esta fazendo ali”. Contudo, apesar de nós animadores culturais, sabermos o certo o que estávamos fazendo lá, o que importava era tirar o máximo de proveito do ensino/aprendizado que o governo estava nos oferecendo. Sem modéstia, considero-me um aproveitador dessa construção que nas suas sutilezas tentava dentre outras coisas colocar em prática o teatro do oprimido, projeto do dramaturgo Augusto Boal.
Como ironia do destino, hoje de fato não sabemos o que estamos fazendo e porque estamos fazendo, uma crise existencial que confirma o título de “alienígena da educação”. Sentimo-nos órfãos de pai e mãe depois dos sucessivos governos que foram se sabotando após 1996 que marcou o fim do mandato do governo Brizola. O máximo que fizeram para aquele “grupo instigante que, com a alegria estampada nos gestos e no coração” (SEPÚLVEDA), foram deixar em nossos contracheques um recolhimento chamado “rio previdência”, uma nomeação em diário oficial como função de confiança do governador e a herança de continuarmos com a sensação de estarmos perdidos ainda buscando respostas. Onde elas estão?
A política “populista” do Leonel Brizola e do então secretário de educação Darcy Ribeiro foi um espetáculo que teve sucesso na estréia e fracasso na temporada, ou seja, a sua descontinuidade é prática comum entre os governos populistas, onde cada um tenta emplacar a sua marca de governo. Todavia o audacioso PROJETO CIEP de Educação, apesar de ser populista tinha um objetivo a ser alcançado.
Paradoxalmente, hoje quando nos deparamos com o populismo reacionário contemporâneo, que tem poucos objetivos nos seus programas sócio-educacionais, temos que ter o máximo de atenção para não sermos partícipes do piscinão de Ramos ou de um restaurante popular. Se assim fizermos estaremos contribuindo com a continuidade de uma política sadomasoquista onde quem recebe o fálico “vale-caridade” fica inteiramente extasiado e prazeroso com o fato de ter sido lembrado e quem dá fica inteiramente satisfeito de estar proporcionando à “ralé estrutural” o prazer da beneficência, criando definitivamente uma relação de dor e prazer insaciável. Votar nos perversos candidatos populistas confirma a disponibilidade do seu corpo/alma para o banquete sádico que pode durar anos a fio.
Lembremos que esse tipo de “populismo sádico” também se expressa em projetos de arte na rua onde a principal persona é a inclusão social, o velho discurso de “estamos tirando das ruas os nossos futuros marginais”. Mas observando mais de perto vemos que esses projetos têm a meta de fazer com que a população média e de baixa renda fiquem dependentes desses programas, porque por trás disso tem sempre a moeda da beneficência.
Para isso dar certo, é necessário que não façamos os nossos atendidos pensar de forma crítica, clara e consciente, é necessário que o entorpeçamos com gestos mecânicos, que o transformemos em meros reprodutores da mesmice cotidiana, objetos ao invés de sujeitos como por exemplo se vê em vários projetos de grafitti existentes no estado de São Paulo e do Rio de Janeiro. Basta distribuirmos sprays nas mãos dos meninos e deixar rolar a criatividade e a imaginação. O objetivo é estar no controle daquelas potencialidades criativas, pois do contrário ofereceria maior perigo para a manutenção do “populismo sádico artístico”.
Talvez a Animação Cultural na sua reestruturação tenha se distanciado dos princípios “populistas”, origem de sua existência e se aproximado em algum momento ao desmascaramento da arte, presente em diversos movimentos de intervenção urbana. No entanto não somos suficientemente fortes para colocarmos em discussão os discursos e as práticas políticas e ideológicas sempre presentes nas plataformas de governo de inúmeros candidatos. É preciso estarmos atento às campanhas políticas que em períodos de quatro em quatro anos acabam despertando a “kundalini adormecida” da massa que estimulada pela fome social e pelo desespero acabam se deixando seduzir pelos Sades contemporâneos, os políticos populistas da atualidade.
Rudolf Rotchild Costa Cavalcante